Percebi o tratamento que nos seria dispensado assim que o avião ligou suas turbinas. Duas aeromoças passaram rapidamente pelo corredor apertando um spray sobre nossas narinas e antenas de barata enquanto outra informava pelo sistema de som, o porquê da pulverização. Dedetização. Estávamos sendo dedetizados. É a lei, os ingleses não querem se contaminar com nossas doenças tropicais. Ok! Vamos lá. Eles devem ter os seus motivos, afinal somos nós os estrangeiros, digo, macacos amestrados que aceitamos o convite - veja bem, o CONVITE - para irmos lá apresentar nosso número de teatro.
Pedi um wiski e tentei acomodar meus 116 kgs de ossos e gordura - muito mais gordura do que ossos - na pequena poltrona da aeronave. Selecionei Johnny e June no canal de filmes enquanto o avião ainda decolava. Não imaginava o que aconteceria depois das onze horas de vôo, quando desembarcássemos na London London dos verdes campos do Bivar.
Passaporte na mão, dinheiro no bolso, cartão de crédito e carta convite do festival dentro da pasta junto com outros documentos que provavam o local de estadia, o tempo e os motivos de nossa breve visita à terra da rainha.
- Ualter, it’s your name? Yes, respondi lembrando-me da maneira como as sobrinhas da Ana brincam comigo quando a gente se encontra. E lá se foram todos os meus documentos junto com o oficial de imigração. Os meus e de outros oito atores envolvidos com o espetáculo OTIMISMO. “É de praxe!” Disse nosso colega e tradutor Leandro D’errico. Não sabíamos que estávamos entrando na fila do matadouro. Era apenas a primeira campainha de nosso drama.
O que faz um grupo de dez pessoas trabalhar por meses para ir se apresentar em uma terra distante, onde não serão bem vindos? O que faz esses caras juntarem suas economias, fazerem dívidas, envolverem parentes e amigos em uma empreitada completamente sem importância para aqueles que realmente decidem o destino de uma dezena de cucarachas? É o que estou me perguntando até agora, na frente desse computador. Inocência? Não sei. Petulância? Talvez. Ainda vou me perguntar muitas vezes isso, igualzinho como me pergunto o que estou fazendo ali, na coxia, antes de entrar em uma cena.
Os ingleses são realmente cordiais e educados. Sorrisos, piadinhas, nos deixaram à vontade enquanto na verdade, estavam nos impedindo de dar um simples telefonema. Não sabíamos que a essa hora nossa produtora em solo Londrino, a Verana, tentava de todas as formas conversar com a imigração, com a direção do festival, com o consulado. Não sabíamos, mas já estávamos voltando para casa.
A segunda campainha tocou quando eles nos levaram para acompanhar a vistoria em nossas bagagens. “È normal, eles fazem isso com todo mundo” OK! Não entendi muito bem quando o fiscal da imigração perguntou se poderíamos traduzir para ele o que estava escrito em uma carta escrita pela minha mãe para mim e que ele havia encontrado em minha bagagem de mão. Sorriu ao ouvir o que a carta dizia. Coisas de mãe para filho. Não vi problema em traduzir para ele, afinal ele também devia possuir uma mãe. Dissimulação ou será que aquela carta poderia ser um mirabolante plano terrorista ou uma mensagem cifrada da Al Qaeda?
Após a revista geral a constatação. Não estávamos portando nenhuma bomba, não possuíamos armas, esplosivos. Não havia sequer uma bagana de maconha ou uma troxinha de cocaína. Só pode ter sido por causa dos malabares do Tadeu, ou o acordeom do Leandro, talvez meu figurino de velha sem bunda. Essas coisas devem realmente ter chamado a atenção da imigração. Então finalmente soou o terceiro sinal.
Em fila indiana fomos levados para uma sala com trava eletrônica e seguranças por todos os lados. Nos ficharam, fotografaram, nos puseram para tocar o piano, nos revistaram e por fim informaram que nosso vôo partiria em meia-hora e que nossos passaportes seriam devolvidos pelo comandante da aeronave. Só então me toquei que haviam se passado sete horas desde que o avião pousou e que as próximas onze horas de viagem seriam pouco para que eu conseguisse assimilar tudo o que havia acontecido e tudo o que isso significará para mim durante minha vida.
Por hora, quero apenas pegar um ônibus e tomar um banho de mar em alguma praia do litoral paulista. Depois pretendo fazer disso uma grande piada. É isso.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
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